quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

DO ANTILIBERALISMO - Rev. Pe. Hervé Belmont (1985)

“Eu não creio no antiliberalismo! Creio que somos antiliberais, sem o saber, ao aderirmos plenamente à verdade.” (Rev. Pe. Guérard des Lauriers)


Vós me perguntais, caro amigo, se sou antiliberal. Sou – com a graça de Deus, espero ser – antiliberal, mas não “um” antiliberal. A nuança é significativa e vale que nos detenhamos nela. 


1. O antiliberalismo não é um princípio, nem de pensamento, nem de ação. Não pode e não deve ser senão consequência – necessária – do amor à verdade e do espírito de fé (são uma só coisa no batizado). Fazer do antiliberalismo um princípio é verdadeira subversão, que tem consequências muito graves no exercício natural da inteligência, cuja única regra é a verdade, e conduz ao pragmatismo: é verdadeiro o que é antiliberal, ou seja, o que se opõe aos liberais… ou àqueles que decretamos tais [cf. infra n.º 6]. É interessante notar, para confirmar isso e prevenir uma objeção, que o juramento antimodernista instituído por São Pio X não é feito de maneira isolada e autônoma, mas como apêndice (como consequência) da profissão de fé de Pio IV. 


2. O erro contemporâneo mais fundamental, nos séculos XIX e XX, certamente não é o liberalismo. Ao meu humilde parecer, é o naturalismo, do qual o liberalismo não é outra coisa que uma consequência gravíssima, assim como, de resto, o racionalismo e o modernismo. Se eu tivesse de me declarar anti-algo por princípio (mas, ainda outra vez, isso não pode ser um princípio), seria anti-naturalista. 


3. Acrescento, inclusive, que a profissão de antiliberalismo-princípio acomoda-se muito bem com um certo naturalismo, e mesmo conduz a ele inelutavelmente quando se aplica à Igreja. Isso é manifesto naqueles que veem no liberalismo a explicação última da crise da Igreja: O concílio Vaticano II é liberal, Paulo VI foi liberal, João Paulo II é liberal… tudo se explica, e podemos fazer o que quisermos! O testemunho da fé exige coisa completamente diferente: o reconhecimento (teórico e prático) da ausência da Autoridade. [...] 


4. Ademais, não é sem reserva que considero a opinião (mais ou menos comum) dos antiliberais sobre numerosas questões. Atendo-nos ao âmbito histórico, os juízos deles sobre a concordata de 1802, sobre o “ralliement” ou sobre a condenação da Action Française, embora comportem aspectos perfeitamente verdadeiros, parecem-me inadequados, quando não inaceitáveis. A Igreja é uma sociedade sobrenatural, e todo juízo a seu respeito que não seja essencialmente iluminado pela fé descarrila. As causas humanas e as consequências naturais, embora sejam reais e muitas vezes bem analisadas pelos antiliberais, não passam de causas segundas. A natureza é o suporte da graça (sempre) e o instrumento do exercício da graça (conforme a ordem providencial ordinária): as deficiências naturais podem obstruir a graça, mas esta permanece transcendente. Que aconteceria se se aplicassem os critérios e juízos dos antiliberais-por-princípio à escolha de Nosso Senhor tomando Judas como Apóstolo? Esse exemplo manifesta de imediato os limites desse sistema, limites que obrigam a manter a reserva. 


5. Haveria que examinar o aspecto moral desse antiliberalismo-princípio. Com efeito, todo desequilíbrio na inteligência traz frutos desastrosos na ordem moral e, no caso que nos ocupa, expõe particularmente a pecados como o juízo temerário, a desconfiança universal, a maledicência ou mesmo a calúnia, a prevenção desfavorável sistemática, que – além das ofensas feitas à justiça ou à caridade – obscurecem, por sua vez, a inteligência, separando-a de seu objeto e de sua única regra: a verdade. 


6. No n.° 1 desta carta, eu vos disse que tomar o antiliberalismo como princípio conduz ao pragmatismo, que consiste em ter como verdadeiro aquilo que se opõe aos liberais ou àqueles que decretamos tais. Existe aí uma dificuldade que vai agravar os extravios desses antiliberais, na ordem doutrinal e na ordem moral. Numa sociedade em ordem, já é difícil de reconhecer com toda a certeza um liberal: os homens não são feitos de um só bloco, e pode-se facilmente considerar liberalismo o que não passa de falha num caso particular, ou intenção mais elevada e mais sábia que ignoramos. Mas, numa sociedade em desordem na qual pululam os erros e os falsos princípios, e mais ainda numa sociedade que está fundada sobre falsos princípios, o discernimento torna-se ainda mais difícil, e muitas vezes aleatório. Pude, por minha parte, observar o fenômeno no seio da fraternidade São Pio X (“já no meu tempo!”): a acusação assassina [e geralmente não-doutrinal] de liberalismo rejeitou talvez para as trevas exteriores algumas almas que tinham muito simplesmente solicitude pela Igreja ou um coração de bom pastor. Escrevendo-vos isso, não pretendo resolver todos os problemas; espero simplesmente permanecer na linha daqueles que me parecem ter lutado do modo mais justo e mais eficaz pela verdade e contra os inimigos da Igreja; penso num Dom Guéranger, num Padre Emmanuel ou num Padre Berto, por exemplo. Que Nossa Senhora nos dê o amor à verdade e evite que caiamos em escolhos ou inversões que, definitivamente, são muito prejudiciais à “causa de Deus”.


Fonte e Tradução desconhecidos. 

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