quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

DO ANTILIBERALISMO - Rev. Pe. Hervé Belmont (1985)

“Eu não creio no antiliberalismo! Creio que somos antiliberais, sem o saber, ao aderirmos plenamente à verdade.” (Rev. Pe. Guérard des Lauriers)


Vós me perguntais, caro amigo, se sou antiliberal. Sou – com a graça de Deus, espero ser – antiliberal, mas não “um” antiliberal. A nuança é significativa e vale que nos detenhamos nela. 


1. O antiliberalismo não é um princípio, nem de pensamento, nem de ação. Não pode e não deve ser senão consequência – necessária – do amor à verdade e do espírito de fé (são uma só coisa no batizado). Fazer do antiliberalismo um princípio é verdadeira subversão, que tem consequências muito graves no exercício natural da inteligência, cuja única regra é a verdade, e conduz ao pragmatismo: é verdadeiro o que é antiliberal, ou seja, o que se opõe aos liberais… ou àqueles que decretamos tais [cf. infra n.º 6]. É interessante notar, para confirmar isso e prevenir uma objeção, que o juramento antimodernista instituído por São Pio X não é feito de maneira isolada e autônoma, mas como apêndice (como consequência) da profissão de fé de Pio IV. 


2. O erro contemporâneo mais fundamental, nos séculos XIX e XX, certamente não é o liberalismo. Ao meu humilde parecer, é o naturalismo, do qual o liberalismo não é outra coisa que uma consequência gravíssima, assim como, de resto, o racionalismo e o modernismo. Se eu tivesse de me declarar anti-algo por princípio (mas, ainda outra vez, isso não pode ser um princípio), seria anti-naturalista. 


3. Acrescento, inclusive, que a profissão de antiliberalismo-princípio acomoda-se muito bem com um certo naturalismo, e mesmo conduz a ele inelutavelmente quando se aplica à Igreja. Isso é manifesto naqueles que veem no liberalismo a explicação última da crise da Igreja: O concílio Vaticano II é liberal, Paulo VI foi liberal, João Paulo II é liberal… tudo se explica, e podemos fazer o que quisermos! O testemunho da fé exige coisa completamente diferente: o reconhecimento (teórico e prático) da ausência da Autoridade. [...] 


4. Ademais, não é sem reserva que considero a opinião (mais ou menos comum) dos antiliberais sobre numerosas questões. Atendo-nos ao âmbito histórico, os juízos deles sobre a concordata de 1802, sobre o “ralliement” ou sobre a condenação da Action Française, embora comportem aspectos perfeitamente verdadeiros, parecem-me inadequados, quando não inaceitáveis. A Igreja é uma sociedade sobrenatural, e todo juízo a seu respeito que não seja essencialmente iluminado pela fé descarrila. As causas humanas e as consequências naturais, embora sejam reais e muitas vezes bem analisadas pelos antiliberais, não passam de causas segundas. A natureza é o suporte da graça (sempre) e o instrumento do exercício da graça (conforme a ordem providencial ordinária): as deficiências naturais podem obstruir a graça, mas esta permanece transcendente. Que aconteceria se se aplicassem os critérios e juízos dos antiliberais-por-princípio à escolha de Nosso Senhor tomando Judas como Apóstolo? Esse exemplo manifesta de imediato os limites desse sistema, limites que obrigam a manter a reserva. 


5. Haveria que examinar o aspecto moral desse antiliberalismo-princípio. Com efeito, todo desequilíbrio na inteligência traz frutos desastrosos na ordem moral e, no caso que nos ocupa, expõe particularmente a pecados como o juízo temerário, a desconfiança universal, a maledicência ou mesmo a calúnia, a prevenção desfavorável sistemática, que – além das ofensas feitas à justiça ou à caridade – obscurecem, por sua vez, a inteligência, separando-a de seu objeto e de sua única regra: a verdade. 


6. No n.° 1 desta carta, eu vos disse que tomar o antiliberalismo como princípio conduz ao pragmatismo, que consiste em ter como verdadeiro aquilo que se opõe aos liberais ou àqueles que decretamos tais. Existe aí uma dificuldade que vai agravar os extravios desses antiliberais, na ordem doutrinal e na ordem moral. Numa sociedade em ordem, já é difícil de reconhecer com toda a certeza um liberal: os homens não são feitos de um só bloco, e pode-se facilmente considerar liberalismo o que não passa de falha num caso particular, ou intenção mais elevada e mais sábia que ignoramos. Mas, numa sociedade em desordem na qual pululam os erros e os falsos princípios, e mais ainda numa sociedade que está fundada sobre falsos princípios, o discernimento torna-se ainda mais difícil, e muitas vezes aleatório. Pude, por minha parte, observar o fenômeno no seio da fraternidade São Pio X (“já no meu tempo!”): a acusação assassina [e geralmente não-doutrinal] de liberalismo rejeitou talvez para as trevas exteriores algumas almas que tinham muito simplesmente solicitude pela Igreja ou um coração de bom pastor. Escrevendo-vos isso, não pretendo resolver todos os problemas; espero simplesmente permanecer na linha daqueles que me parecem ter lutado do modo mais justo e mais eficaz pela verdade e contra os inimigos da Igreja; penso num Dom Guéranger, num Padre Emmanuel ou num Padre Berto, por exemplo. Que Nossa Senhora nos dê o amor à verdade e evite que caiamos em escolhos ou inversões que, definitivamente, são muito prejudiciais à “causa de Deus”.


Fonte e Tradução desconhecidos. 

sábado, 24 de outubro de 2020

COMO MORRE UM HOMEM DE DEUS (Morte de Mons. Guérard Des Lauriers)

Por Padre Giuseppe Murro

 


Nunca poderemos agradecer suficientemente ao Senhor pelas graças que nos dá; mas o favor que a Divina Providência me concedeu, de poder assistir espiritualmente Dom Guérard des Lauriers durante os 45 dias de sua hospitalização, é tal, que se sente mais claramente a própria indignidade diante de tal benefício. Dom Guérard foi internado no hospital Cosne sur Loire em 10 de janeiro de 1988; ele morreria lá no dia 27 de fevereiro seguinte.


Mons. Guerad em seu leito
A doença

Monsenhor Guérard sofria de uma grave insuficiência hepática que o obrigou a seguir uma dieta especial. Em outubro de 1987, sofreu uma nova deterioração, acompanhada de uma dolorosa insônia, com crises frequentes que o deixavam sem forças.

A alimentação tornou-se cada vez mais difícil, pois ele não conseguia mais assimilá-la, então, em 10 de janeiro, ele foi forçado a entrar no hospital. Alimentado apenas por infusões, ele estava em um estado de extrema fraqueza; costumava passar as noites em crises terríveis, sujeito a contrações musculares que sacudiam todo o seu corpo.

Em geral, de manhã cedo, conseguia descansar. Durante o dia, as dores no fígado continuavam a ser sentidas, às vezes de forma aguda, a menos que se virasse de lado: mas o fato de manter-se na mesma posição, provocou feridas que o obrigavam a mudar de lado, com a consequente volta da dor no fígado.

Os resultados das análises revelaram a presença de um tumor no cólon sigmóide, com metástases no fígado e provavelmente em um rim: dado o estágio avançado da doença, o fígado em particular estando completamente comprometido, a ponto de não poder garantir qualquer função, não era mais possível considerar algum tratamento.

Como não conseguia mais engolir, as secreções causavam-lhe uma saliva contínua que o impedia de falar com clareza. Além disso, ao chegar ao hospital no final da noite de 10 de janeiro, eles o colocaram em um quarto que ainda estava frio, causando-lhe bronquite.

 

“Quando sofro menos - disse monsenhor nos primeiros dias de internamento - penso que poderei escrever um pouco, mas assim que tento fazer os gestos, fico deficiente”. E, no entanto, monsenhor não hesitou em escrever cartas e documentos, quando o considerou necessário. No final de janeiro e início de fevereiro, ele havia recuperado as forças para conseguir levantar-se um pouco, dar alguns passos na sala e sentar-se várias horas por dia.

Mas então os sintomas voltaram, a fraqueza aumentou, o corpo começou a sentir o cansaço de uma prova tão longa que teria terminado antes, se a forte constituição de monsenhor não tivesse resistido ao mal persistentemente.

Não é todo dia que se vê um religioso preparar-se, em meio ao sofrimento da doença, para morrer bem; é ainda mais raro ver um teólogo que soube responder aos problemas mais difíceis, continuar com a investigação especulativa nos momentos que precedem a sua morte; mas é ainda mais raro ver - e eu diria contemplar - um homem de Deus se preparando para deixar esta terra para encontrar seu Criador.

 

O Religioso

 

Monsenhor Guérard deu o exemplo de um religioso. Em seu leito no hospital, ele sempre tinha seu rosário em mãos; frequentemente convidava seus visitantes para recitar algumas orações com ele; pedia a todos que rezassem para que ele permanecesse fiel ao cumprimento da vontade de Deus.

Desde os primeiros dias de sua hospitalização, ele não hesitou em se desculpar por seus defeitos: “Peço desculpas pela minha impaciência, pela falta de edificação que poderia ter sido para vocês; eu poderia ter feito mais por vocês, mas agora pelo menos estou fazendo tudo o que posso”.  Em 12 de janeiro, ele queria fazer uma confissão geral. Pensava no bem das almas: mais de uma vez declarou que tudo oferecia pela Igreja, por (seu) Instituto, pelos fiéis:

"Enquanto eu puder atribuir uma intenção: é para vocês, para o seu trabalho, para o Seminário de Orio, para que se tornem missionários de Maria, segundo o propósito tão bem expresso por São Luís Maria Grignon de Montfort."

 Ele atuava pelo bem das almas: qualquer que fosse a questão que o propusesse, nunca deixou de dizer, ainda que fosse uma palavra, uma frase necessária para o bem espiritual do interlocutor. Pode-se dizer que o sofrimento lhe deu uma luz especial, fazendo-o compreender o estado de alma das pessoas que se aproximavam dele. Dos médicos às enfermeiras, com todas as pessoas procurou cumprir o seu dever de religioso, visando a salvação de suas almas.

Ele não falava muito com todos os seus conhecidos que vinham visitá-lo, mas o que ele dizia realmente vinha da abundância do coração; nada convencional, mas palavras destinadas a serem gravadas no espírito do ouvinte. Ele encorajou todos a permanecerem fiéis "usque ad mortem", até a morte, apesar das provações e perseguições que pudessem ocorrer.

 

O Teólogo

 

Monsenhor Guérard ensinou durante toda a sua vida; em sua cama de hospital nos deu talvez o melhor de seu ensinamento, aquele que toca diretamente a salvação das almas.

“A oração que faço quase constantemente: 'Ó meu querido Salvador, que meu corpo compartilhe tua Agonia em um desejo infinito’. Sempre encontro uma nova profundidade em cada uma dessas palavras, participar da agonia de Jesus é algo tão imenso, sem medida, que nunca vamos terminar de aprofundar. E estou vivendo mesmo isso, por assim dizer ”.

É sabido que manteve sua lucidez quase até ao fim, para grande espanto dos médicos e enfermeiras; e apesar da fraqueza e do cansaço, ele continuou a pesquisar a verdade sobre várias questões. Quer sejam argumentos doutrinários, respondendo aos visitantes, aos padres, para esclarecer, explicar, aprofundar certos aspectos da Tese de Cassiciacum. Quer sejam argumentos de ordem pastorais: continuo a vê-lo sentado na cadeira do seu quarto de hospital, mostrando a padre Ricossa e a mim, a situação de quem falta fervor, que perde o desejo de abraçar toda a verdade, que se deixa ir e finalmente parando em posições menos exigentes e mais confortáveis. Quantas pessoas, até padres, procuram o número, mas não a verdade: para manter um maior número de “fiéis”, eles devem se calar sobre certas coisas, traindo a integridade da verdade. Não nos deve surpreender, acrescentou, que seja sempre assim, mas quem mistura a verdade com o erro não é para durar: assim como os híbridos não se reproduzem na natureza, também estas pessoas não poderão continuar assim por muito tempo: eles se alinharão ou de um lado ou do outro.

“Aceitar um compromisso, mesmo para um bom propósito, é um erro de raiz: não foi o que Jesus fez, especialmente quando morreu. Portanto, não se deve fazer isso de forma alguma. Não importa, nós continuaremos sendo um pequeno grupo”.

 

Monsenhor não deixou de nos aconselhar, com grande delicadeza, para o nosso ministério, sugerindo que não sejamos apenas missionários, mas também pastores das almas que o Senhor nos confia: “A intuição de São Luís Maria Grignon de Montfort deve ser realizada. É o que já estão fazendo, aliás, mas devem ir além na comunicação da verdade. Desculpe, em vez de se tornarem mais missionários do que pastores, que seu papel missionário se estenda ao de pastores. O que é difícil, muito difícil, mas creio que o Bom Deus os dá a luz, a força e o amor para cumprir esta tarefa: uma vez que alguns tenham compreendido e estejam com vocês, muitos mais virão”.

 

 

O homem de Deus

 

Quando Mons. Guérard Des Lauriers foi hospitalizado, não conseguia mais engolir uma gota d'água. E ainda, todos os dias, ele foi capaz de receber a Sagrada Comunhão como o único alimento. Viveu por e para a Eucaristia, sua única alegria, que irradiava e transmitia aos demais. Depois da Comunhão, prolongava sua ação de graças, durante a qual se via, por assim dizer, sensivelmente sua alma plena do sobrenatural, e algumas vezes compartilhava com os presentes o que havia descoberto e meditado. Nunca esquecia de agradecer a quem o levava a Sagrada Comunhão:

“É o Viático que dá a medida de tudo, o desejo, o desejo infinito, a participação na agonia e a penetração da medida infinita da agonia de Jesus. É a Comunhão que determina a medida da Cruz que devo carregar para este dia”.

 

Monsenhor não rejeitou a Cruz que o Senhor lhe enviou: aceitou-a com total abandono em união com os sofrimentos de Nosso Senhor durante a Sua Paixão:

“É o grau que conta. O grau na agonia, o grau no abandono, o grau no desejo. Eu desejei a cruz. Esse é realmente a lei do Amor. Quando estamos lá, é menos fácil do que se imagina. Mas a graça do Bom Deus está aí. Temos desejos generosos, quando temos que cumpri-los é mais difícil”.

 

Ele não escondeu a luta interior que estava tendo naquele momento: pedia a todos suas orações “para que ele seja fiel, para que fique abandonado”. Ele raramente reclamou, embora seu rosto mostrasse o esforço no teste. Alguém pode pensar que, em meio a tanto sofrimento físico, a presença do Senhor o confortou, como uma compensação pelas dores do corpo. Mons. Guérard bebeu até o fundo do cálice amargo da Paixão, imitando o Nosso Salvador, na desolação espiritual, privado das graças sensíveis que o Senhor concede para nos ajudar a suportar as dores quotidianas. Jesus parecia abandonar sua alma e se calar:

“É um grande silêncio. É fé, fé pura, de modo que permaneço aberto a um como ao outro: à cura milagrosa ou à morte”.

 

Mas em meio a tantas tribulações, monsenhor nunca cedeu a movimentos de relaxamento ou desespero:

“Repito muitas vezes: 'Não recuso laborem, não me nego a trabalhar', se o Bom Deus me deixa na terra. Acho que posso dizer: estou verdadeiramente em completa indiferença. Deixe que Ele me use como quiser. Tudo o que quiser".

 

Todas essas ações eram sobrenaturais. Mesmo nos momentos de maior sofrimento, dirigiu o olhar para as imagens, reunidas em tríptico, dos Santos Protetores da sua Ordem: São Domingo, Santo Tomás de Aquino, Santa Catarina. Quando recebia a Sagrada Comunhão, era um exemplo de devoção e piedade, pelo recolhimento interior e pela fé que se refletia em todos os seus gestos. Que sua alma era pura e recebia luzes particulares, isso se via em seus olhos: límpidos, de extraordinária clareza, pareciam imersos na visão das coisas celestiais, na posse e na contemplação da Verdade: tanto que todo o seu rosto Parecia irradiar com essa luz e transmitia a qualquer pessoa que pudesse vê-lo.

Muitos iam visitá-lo, muitas vezes para encontrar conforto com ele: monsenhor ouvia, às vezes dava respostas curtas, mas na maioria das vezes ficava em silêncio; depois, em reconhecimento da visita, era o seu sorriso luminoso que dava e enchia a alma de quem o recebeu. Quando falava de qualquer coisa, ia ao fundo da questão, mas como esse esforço generoso lhe causava um grande cansaço, as pessoas que o conheciam bem desistiam de lhe fazer perguntas para não pesar nas provas; e as visitas eram feitas em silêncio, não vazias, mas mais expressivas do que muitas palavras.

 

O fim


Durante a segunda quinzena de fevereiro, o estado do paciente continuou a piorar: suas noites eram apenas angústias e convulsões e seus dias exaustão, fadiga e fraqueza. Depois de uma noite em que se sentia particularmente mal, quis fazer uma segunda vez a sua confissão geral: percebeu, sem dizê-lo, que nunca mais se levantaria. Seu rosto estava abatido e sua cabeça, que ele costumava inclinar para aliviar a dor, não podia mais ser levantada sem ajuda.

Na terça-feira, 23 de fevereiro, ele recebeu a Sagrada Comunhão como viático, o que foi muito reconfortante. Nos dois dias seguintes, ele conseguiu receber apenas um fragmento da Hóstia. Por muitos meses, monsenhor sofreu uma espécie de amargura interior da qual havia pedido ao Senhor que o libertasse.

 

Foi ouvido na quinta-feira, 25 de fevereiro, e foi uma manhã de tão grande consolo que ele falou sobre isso para aqueles ao seu redor:

“A Santíssima Virgem removeu a amargura e a angústia. Por isso, pedi permissão à Santíssima Virgem para continuar a alegria da crucificação ou para continuar nesta alegria. Portanto, é para mim um sinal da sua solicitude materna. É uma grande graça de serenidade. Sofro muito e é na paz da vontade do Bom Deus que isso deve se cumprir plenamente em mim. Só tenho que continuar no caminho que o Bom Deus me colocou desta forma, o que é certamente muito doloroso, mas responde a todas as condições que senti que deviam ser preenchidas. Por isso, convido-vos a dar graças, a continuar na ação de graças, na confiança e no abandono. Isso é o essencial que gostaria de vos dizer esta manhã, pois é um grande acontecimento na minha vida e que vos confirma na grande convicção da verdade.

Misericordias Domini in æternum cantabo. Peço-lhes então que não estejam tristes, mas em ação de graças e alegries. Perseverem com ardor, entusiasmo. Não poderia ter havido um sinal maior, dada a situação. Desejo que esta notícia seja um consolo e um alento para perseverar na mesma alegria, na mesma certeza, na mesma Fé. Ainda sofro muito, mas este é o programa: que Deus nos preserve nesta graça, porque é frágil. Deus pode retirá-lo se nos gabarmos do favor que recebemos, mas espero que a humildade nos proteja deste perigo e deste erro”.

 

Momentos depois, monsenhor perguntou se era sábado: ao saber que era quinta-feira, ficou triste por ter de esperar mais dois dias. Previu que deixaria a terra no dia dedicado à Santíssima Virgem? Foi a impressão dos presentes. Esperava visita pela tarde: pediu que a pessoa fosse trazida mais cedo, antes do horário marcado; mas não foi possível. No início da tarde, monsenhor, devido a sua grande fraqueza, já não tinha forças para falar; apesar de seus melhores esforços, ele não conseguiu falar com o visitante.

 

Na sexta-feira, 26 de fevereiro, pela primeira vez, não foi possível receber a comunhão: não conseguia mais abrir a boca e, apesar da ajuda dos assistentes, suas mandíbulas ainda estavam contraídas. Ele chorou quando percebeu que tinha que fazer o sacrifício até mesmo do que era mais querido para ele neste mundo, Jesus no Santíssimo Sacramento. Então ele fechou os olhos e entrou em uma solidão que ninguém pôde acessar.

Quando ele era chamado, seus olhos eram forçados a abrir-se, mas não havia reação em seus membros. A respiração estava difícil devido a outra bronquite, o esfriado corria o risco de sufocá-lo e as enfermeiras colocavam sondas nasais muito dolorosas.

Ao vê-lo, não se podia deixar de evocar o Homem das dores, Nosso Senhor sofredor durante a sua Paixão: desde a parte superior do corpo às solas dos pés tudo padecia: no nariz o cateter, perfusão no pescoço, as artérias dos braços perfuradas pelas infusões anteriores, o sistema digestivo, o epicentro de suas dores, os pulmões congestionados pelo catarro, os quadris e pernas com feridas, um cateter urinário , pés inchados. As pessoas presentes, após terem recitado as orações pelos moribundos, permaneceram ao lado de sua cama rezando.

No dia 27 de fevereiro de 1988, por volta das 3 da manhã, sua respiração se acalmou de repente, como se o esfriado tivesse desaparecido, e enquanto os acompanhantes recitavam as orações pelos moribundos, sua alma partia para o Senhor: eram 3 horas e 10 minutos. O corpo tinha parado de sofrer, todos os membros pareciam encontrar um pouco de descanso e o rosto parecia adquirir uma expressão mais calma. Monsenhor havia terminado sua paixão.

 

Não se encontrou semelhante a ele na observação da lei do Senhor

 

Monsenhor sempre teve uma terna devoção à Santíssima Virgem. Agora que ele partiu, agora que sofremos a dor de sua morte, agora que sentimos sua ausência, agora que nos sentimos compelidos a chorar de dor como órfãos que acabam de perder o pai, mesmo por esses momentos monsenhor pensou em nós e nos deixou a consolação das suas palavras, deixou-nos a sua devoção à Santíssima Virgem, a “Inviolata”.

“Existem dois nomes:‘ Imaculada Conceição ’e‘ Fulgida Coeli Porta ’: mas é a mesma realidade sublime e quase divina de nossa Mãe que adoramos como efeito da Sabedoria do Bom Deus. Se horas dolorosas vierem, por tudo o que vai acontecer, que seja o seu canto interior: 'Inviolata', depois 'Fulgida Coeli Porta'. Que esta declaração do céu o livre das dores da terra. Que esta canção cante em seu coração e te encante.

É preciso algo para isso, um pouco de vontade para se separar de todas as contingências com as quais não podemos deixar de lidar. Mas ainda assim, vou rezar para que eles tenham a graça e que essa música embale sua vida inteira, onde quer que aconteça. Espero que, com muita vontade e fervor, esta alegria celestial - que nos faz viver um pouco no Céu, já na terra - sustente vocês. Que este seja o seu viático, que vocês carregam em seus corações.

A serenidade confortará as outras almas vegetantes, por assim dizer, porque ignoram estes esplendores que o Bom Deus põe misericordiosamente à nossa disposição. Meus queridos filhos, cuidarei de vocês do alto do céu como se ainda estivesse na terra: que o Bom Deus faça a sua Santa Vontade.

O maior presente que ele nos dá é nossa mãe. Ela é a sua Mãe, a sua Mãe para cada um e saberá encontrar na sua Inteligência, no seu Coração, na sua Ternura, os acentos que vão consolar as suas almas, que vão secar as suas dores, que vão transformar até as lágrimas em pedras preciosas para o céu. E não há nada mais lindo na terra do que as lágrimas derramadas de amor. Bem-aventurados os que choram porque serão consolados e bem-aventurados os que choram porque consolam Jesus e consolam a sua mãe. Eles são como pérolas brilhantes na terra onde há tanta podridão, pecado ou coisas que são nojentas para Deus.

Mas quando o Bom Deus vê as almas que choram de Amor, que aceitam em lágrimas, com muito amor, o presente que o Bom Deus lhes dá - de dar-lhes uma Mãe que zela por elas - o Bom Deus se consola e acalma seu olhar irado que cairia sobre a terra por causa do pecado: Ele não pode descuidar, não levar em conta essas lágrimas interiores. Portanto, não tema se lhe for dado o dom de chorar, de chorar estas lágrimas de amor pensando na ternura de sua Mãe no céu, na Imaculada e na resplandecente Porta do céu.

Agora, essas verdades devem ser vividas, até o momento em que perto da morte, a consumação de própria Maria seja alcançada. Eu os confio a ela. E continuarei a fazê-lo do alto do céu, na esperança de que o Bom Deus me prive da miséria eterna por causa de Maria, minha mãe. Acima das vicissitudes da terra que temos que viver, que esta canção prevaleça acima de tudo e que assim suas legítimas lágrimas se acalmem, se transfigurem, para que se tornem pedras brilhantes que enfeitam a ‘Fulgida Coeli Porta’”.

 

Todas as citações são palavras de Mons. Guérard Des Lauriers registradas durante sua internação no hospital.

 

(Sodalitium nº 18)


Fonte: Sodalitium 

Tradução: Semper Catholicam

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

A DEVOÇÃO DOS CINCO PRIMEIROS SÁBADOS

 No dia 13 de junho de 1917, os três pastorzinhos de Fátima viram a Nossa Senhora. A Virgem Maria tinha em sua mão direita seu coração transpassado de espinhos. A Santíssima virgem Maria então disse à Lúcia:


"Jesus quer estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. A quem a pratique prometo a salvação, e essas almas serão queridas de Deus como flores colocadas por mim para enfeitar meu trono." 

Em 13 de julho a Rainha do Céu lhes disse: 

"... Se se faz o que lhes direi, muitas almas se salvarão... virei pedir a comunhão reparadora dos primeiros sábados".

 Em linha direta com as aparições de Fátima, a promessa de Nossa Senhora se cumpriu em 10 de dezembro de 1925 em Pontevedra (Espanha), onde Lúcia era nesse então uma jovem postulante à vida religiosa. Irmã Lúcia descreveu esta aparição com a qual a Santíssima Virgem deu ao mundo a assim chamada devoção dos cinco primeiros sábados do mês, com as seguintes palavras: 

"No dia 10 de dezembro de 1925, a Santíssima Virgem apareceu, e ao lado, supenso em uma nuvem iluminada, o Menino Jesus. A Santíssima Virgem, pôs a mão sobre o seu ombro e lhe mostrou ao mesmo tempo, um coração coroado de espinhos que tinha na outra mão. 

Ao mesmo tempo o menino a disse: 

- Tenha compaixão do Coração de sua Santíssima Mãe repleto de espinhos que os homens ingratos lhe perfuram continuamente, sem que haja alguém que faça um ato de reparação para tirá-los. 

Logo a Santíssima Virgem a disse: 

- Olhe, minha filha, meu coração repleto de espinhos que os homens ingratos perfuram continuamente com suas blasfêmias e ingratidões. Tu, pelo menos, procura consolar-me e diga que todos aqueles que durante cinco meses, no Primeiro Sábado,  se confessem, recebam a Santa Comunhão, rezem o terço e me façam companhia durante 15 minutos, meditando sobre os quinze mistérios do rosário, em espírito de reparação, eu prometo assistir-lhes na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação de suas almas".

 É importante dizer que não é Lúcia quem inventou essa devoção, se não que foi Nossa Senhora mesma quem nos a deu. Quem melhor que a Santíssima Virgem mesma para ensinar-nos a consolá-la. Portanto é uma devoção para a termos seriamente. A Virgem de Fátima pede que façamos quatro exercícios muito fáceis:


A CONFISSÃO

 Pode fazer-se dentro dos oito dias (ou ainda mais) antes ou depois do primeiro sábado. O importante é confessar-se com a intenção de reparar com esse ato, ao Coração Imaculado de Maria. 


A COMUNHÃO

 Evidentemente que deve ser recebida em estado de graça. Se alguém não pode ir à Missa no primeiro sábado, os sacerdotes podem permitir recebê-la também no domingo seguinte. Se oferece esta Comunhão para reparar as ofensas que sofre o Coração Imaculado de Maria. 


A ORAÇÃO DO TERÇO

 É suficiente rezar os cinco mistérios, mas sempre com espírito de reparação... mas por acaso não rezamos todos os dias? 


OS 15 MINUTOS DE MEDITAÇÃO

 Aqui não se deve confundir com rezar o Rosário. Diz irmã Lúcia: "é fazer companhia a Nossa Senhora durante 15 minutos, meditando sobre os mistérios do Rosário".

 Pode-se escolher um ou alguns dos mistérios (por exemplo: os cinco mistérios dolorosos e se medita uns três minutos sobre cada um deles). Por razões justas, pode fazer-se também no domingo, sempre com espírito de reparação. 


POR QUE CINCO SÁBADOS?

 Durante a noite do dia 29 ao 30 de maio de 1930, irmã Lúcia perguntou a Nosso Senhor: "Por que se exigem cinco sábados e não nove ou sete em honra das sete dores de Nossa Senhora?", e Jesus lhe respondeu:

"Existem cinco espécies de ofensas e blasfêmias que se proferem contra o Coração Imaculado de Maria:

 1. A blasfêmia contra a Imaculada Conceição, 

 2. As blasfêmias contra sua virgindade, 

 3. As blasfêmias contra sua maternidade divina, recusando ao mesmo tempo reconhecê-la como Mãe dos homens, 

 4. As blasfêmias daqueles que procuram publicamente fazer nascer nos corações das crianças a indiferença e o menosprezo, ou até o odio em relação a essa Mãe Imaculada, 

 5. A indiferença daqueles que a ultrajam diretamnete em suas santas imagens". 


"... Eu prometo assistir-lhes na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação de suas almas". 

 Maria Santíssima que não se deixa limitar em sua generosidade, promete aos que pratiquem essa devoção a graça das graças, a Vida Eterna. Façamos esforço, portanto, para cumprir seu fervoroso desejo, e ajudemos a Nossa Senhora, dessa forma, a salvar muitas almas. Salve Maria! 


Semper Catholicam

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Uma epidemia pode ser maior que a Igreja Católica?

São João Bosco e a Peste da Cólera

"Não podemos dar sacramentos! Não somos fideístas! Não podemos arriscar-nos! Temos medo da epidemia! Também somos gente! Podemos ser presos! A "Igreja" diz. O Governo diz!".
Na História da Igreja vemos exemplos sublimes de sacerdotes que deram suas vidas por defender a Fé. Vemos os apóstolos que foram presos e martirizados por levar a Fé em Nosso Senhor Jesus Cristo às nações. Vemos outros mártires nos anos mais modernos que foram torturados antes de suas mortes por não renegarem a Cristo. Vemos um São João Bosco com seus "filhos" do oratório que saíram às ruas para cuidar dos que estavam sendo atacados pela a epidemia de cólera, etc.
"Sim, verdade!" -alguns podem dizer- "Mas eles são santos e inspirados por Deus! Não podemos seguir seus exemplos porque será fideísmo e isso é condenado pela a Igreja. Não podemos seguir seus exemplos porque eles eram diretamente inspirados por Deus. Não podemos seguir seus exemplos, porque... porque...". Bom, vemos que há muitos "porquês".
Deus criou a Igreja Católica como "Sociedade Perfeita". O que seria uma "Sociedade Perfeita"? Podemos dizer que uma Sociedade Perfeita é aquela que "basta a si mesma para poder existir, sem depender de nenhuma outra". Por que Deus fez a Igreja como uma Sociedade Perfeita? Como já nos mostrou a história, a Igreja teve muitas vezes que desobdecer regras em nome de um bem maior. De um bem que se chama: "salvação das almas" (Salus animarum). Por esse motivo principal a Igreja Católica tem o direito divino de ser uma Sociedade Perfeita, para que nada a possa impedir de realizar sua missão nesse mundo.
A Salvação das Almas é a lei suprema da Igreja (Lex Suprema Ecclesiae salus animarum est). Essa lei tem uma natureza distinta de outras leis. As leis normalmente servem para regir os homens, uma Sociedade, uma nação, etc. Algumas leis têm origem divina (como as leis do decálogo ou as leis naturais) e outras têm sua origem nos homens, ou seja, de Sociedades e Nações. A lei da Salvação das almas tem origem divina, pois Deus (Criador do céu e da Terra, que existe por Sí mesmo e não depende de nossa crença para Sua Existência) deseja que todo homem vá ao céu, mesmo se alguns escolherem não ir, a vontade de Deus é de fazê-los ir. Por isso essa lei é a mais importante para a Igreja. Ninguém tem o direito, portanto, de proibir as atitudes que possam vir a ser tomadas para que essa lei venha a ser cumprida, nem mesmo os homens da Igreja ou a mais alta autoridade secular que possa existir. Ninguém. E essa lei não muda com o tempo, pois é uma lei criada por Deus que é eterno.
Deus instituiu a Igreja para salvar as almas através de seus meios. Esses meios são Sua doutrina e os Sacramentos instituídos pelo o próprio Cristo, que nos dão e nos restituem a Vida da Graça. Esses meios tampouco dependem da existência de alguma lei civil para existirem. Eles existem porque Deus mesmo o quis assim. Por isso mesmo a Igreja é uma Sociedade Perfeita, para poder obedecer independentemente de qualquer fato externo a Lei da Salvação das Almas, para que essas almas possam conhecer, amar e servir a Deus nesse mundo para portanto ir ao Céu viver eternamente com Deus.
E a quem a Igreja deu essa missão de levar os meios de salvação à todas as pessoas para poder ir ao Céu? A Igreja deu essa Missão a seus Ministros Ordenados. Eles são os responsáveis da missão dada por Deus mesmo à Igreja para levar as almas até Deus Nosso Senhor. Eles são homens que são usados como meios por Deus para trazer-nos pela a primeira vez a Vida de Cristo em nossas almas, através do Batismo. Eles são os responsáveis para perdoar aqueles pecados que cometemos após o Batismo, através do Sacramento da Confissão. Eles são os homens que nos fazem ter o grande júbilo de receber o Corpo mesmo de Cristo em nossas Comunhões. Eles nos confirmam na Fé. Ordenam a outros homens que escutam esse chamado de servir como eles à Igreja de Cristo. Eles são aqueles que formalizam a vida de uma família através do Sacramento do Matrimônio. E por fim, são os mesmos que nos dão o conforto final na hora de nossa morte. Portanto, esses homens são essenciais para que possamos chegar ao céu.
Os santos sabiam disso quando eles agiram e foram mortos em diversas circunstâncias. Mas... foi a ocasião que fez o santo ou o santo já era santo na ocasião? Não podemos saber com certeza de qual forma um santo era inspirado para agir em uma crise: como no mártirio ou em uma epidemia. O que sabemos é que independente da forma, Deus agiu nos homens da Igreja para que fizessem a ação correta nas dinstintas cisrcunstâncias, como por exemplo, a ação de São João Bosco durante a cólera na Itália ou quando Marcos Ji Tiankiang foi martirizado sem negar a Deus. Detalhe, o último viveu sua vida viciado em ópio. Mas Deus mesmo assim lhe presenteou com o martírio.
O clero que diz: "não podemos ajudar nossos fiéis a salvar suas almas através dos sacramentos", está correto? Será que não deveria dar os sacramentos (meios de salvação) na hora em que as almas mais necessitam? Será mesmo que tomar alguma atitude, tendo em vista todos os princípios que foi dado é questão de "fideísmo" como quer fazer crer um certo sacerdote conhecido? Será mesmo que todos esses "porquês" não são vindos da pouca fé na ação direta de Deus no mundo? Acaso Deus não age no mundo? Acaso devemos desobedecer as leis da Igreja e portanto de Deus, para obedecer as leis dos homens? Será que estaríamos preparados para receber a Graça de Deus em um martírio? Será que não deveríamos pelo menos tentar trocar os "porquês" pelos "Serás"? Já que uma certeza os senhores sacerdotes do Senhor não têm? Será?
Ah! O mesmo se aplica aos fiéis. Muitos desanimam seus sacerdotes dizendo para eles: "não faça nada, espere". Uma única coisa podemos dizer disso: não se faz mais católicos como antigamente. Que Deus Nosso Senhor e a Santíssima Virgem Maria nos ajude nesses tempos e em outros que virão a não renegá-los através de nossas ações e palavras.

Abbé Charbel Sant'Ana

quinta-feira, 26 de março de 2020

Os Evangelhos são Verídicos?



Salve Maria!

Inscreva-se no nosso canal no Youtube para acompanhar nossas aulas.
Iniciamos uma série de aulas, atualizadas em cada sábado, para os que desejam conhecer melhor a Fé Católica ou que ainda estão começando a conhecer.

Conteúdo da 4ª Aula:
1. Sepultura, Ressurreição e Ascenção de Cristo.
2. Quatro Evangelhos
- Características dos 4 Evaneglhos.
4. Devemos crer em tudo no Evangelho?
5. Autenticidade dos Evangelhos.
6. Integridade dos Evangelhos.
7. Veracidade dos Evangelhos.
8. Os racionalistas.
9. Rousseau e os Evangelhos.

Contato: abbecharbel@outlook.com



O padre que teve acesso ao Terceiro Segredo de Fátima




Aqui vemos em pé, com batina e sobrepeliz, o sacerdote exorcista que trabalhou no Vaticano e teve acesso a segredos importantíssimos. Seu nome: Malachi Martin. Ele foi um sacerdote de vastíssima cultura. Conhecia profundamente a arqueologia e era especialista em culturas semíticas. Também vemos Mons. Lopez-Gastón e Rama Coomaraswamy.
Padre Martin falava fluentemente mais de 20 idiomas e exercia um dos principais cargos no Vaticano. Cremos que, para os tradicionalistas que nos acompanham, este nome não é estranho. O Padre Malachi Martin viu a entronização do demônio no Vaticano, nos tempos do Concílio, quando foi secretário do terrível Bea e teve acesso ao chamado 3º Segredo de Fátima. Entre as principais obras deste sacerdote podemos destacar: The Final ConclaveVaticanThe JesuitsThe Keys of This Blood e Windswept House: A Vatican Novel. As fotos acima provam que o mesmo aderiu ao sedevacantismo, a única resposta lógica e defensável para a crise eclesiástica que grassa nos nossos dias.


Obs: O nosso blog é adepto à tese de Cassiciacum, tese qual tenta explicar a atual crise do papado. Clique aqui para ler a tese. 


terça-feira, 28 de janeiro de 2020

A CRISE DO PAPADO (TESE DE "CASSICIACUM") POR MONS. GUÉRARD DES LAURIERS

ALGUNS DOS 'PAPAS' MATERIAIS

Em seguida, veremos em detalhe, a  explicação da Tese de "Cassiciacum" ou a tese dos "Materiais-Formalistas" ou ainda, como muitos gostam de chamar, a Tese dos "Sede-privacionistas". A tese foi escrita originalmente por sua Excelência Reverendíssima Mons. Guérard Des Lauriers, OP, no qual foi teólogo durante o Pontificado do Papa Pio XII. Durante a crise do Concílio Vaticano II foi sagrado bispo por Mons. Thuc. A Tese trata de explicar sobre a atual crise do Papado, da Igreja e qual posição adotar. 

É importante dizer que, de acordo com o espírito da Tese, toda referência à Wojtila (João Paulo II) deve ser aplicada de igual modo à Ratzinger - (Bento XVI) e à Bergoglio (Francisco).


EXPLICAÇÃO DA TESE

de S.E.R Mons. Guérard Des Lauriers por S.E.R. Mons. Donald Sanborn.

O problema do papado depois do Vaticano II.

Qualquer pessoa que esteja familiarizado com o movimento tradicionalista, sabe que o mesmo começou uma resistência às mudanças do Vaticano II. Também sabe que há diferentes níveis ou maneiras de resistir. A resistência mais débil é aquela da Missa com indulto, junto com as congregações que têm permissão para usar a Missa tradicional, tais como a Fraternidade São Pedro. Daqui para adiante me referirei a toda esta parte do movimento tradicionalista com o nome de indultistas.

Os indultistas aceitam o Vaticano II e suas muitas mudanças como católicas e legítimas, e somente preferem as tradições da Igreja Católica porque são "melhores". Evidentemente não têm problema com o papado de João Paulo II, pois reduzem sua resistência a uma simples questão de preferência e não vêem no Vaticano II e em João Paulo II defecção alguma da Fé Católica, moral ou disciplinar. 

Os próximos na linha estão os lefebvristas, a Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Eles vêem no Vaticano II e em João Paulo II uma defecção da Fé Católica, a moral e a disciplina. E em consequência, estabeleceram um apostolado paralelo contra a vontade da pessoa que eles sustém ser o Santo Padre, e por ele foram excomungados. Naturalmente têm, logo, um problema teológico para resolver em relação ao Papado. O resolvem desta maneira: dizem que, ainda que João Paulo II seja Papa, não obedecerão em nada que vá contra da Fé Católica, moral e disciplina. Apelam à Tradição, que, segundo eles, está acima do Romano Pontífice.

Logo segue os sedevacantistas, nos quais também vêem defecção da Fé Católica, moral e disciplinar, tanto no Vaticano II como em João Paulo II. Mas apresentam uma objeção à solução dos lefebvristas, pois a mesma é incompatível com o ensinamento católico sobre a Igreja. Os sedevacantistas afirmam que a indefectibilidade e infalibilidade da Igreja nos impede dizer que o Papa tem promulgado falsos ensinamentos, falsa liturgia, disciplinas perversas, etc. Se João Paulo II fez essas coisas, dizem os sedevacantistas, não pode ser Papa. E também argumentam dizendo que João Paulo II é um herege público, e, em consequência, um não católico. E quem não é católico não pode ser papa. Alguns sedevacantistas são opinionistas, pois dizem que o fato de João Paulo II ser ou não papa é uma questão aberta, um assunto de mera opinião teológica. Pode-se ir por qualquer caminho legitimamente, dizendo que é papa ou que não é. Há muitos opinionistas na Fraternidade São Pio X, onde é bem conhecido e tolerado que há entre eles sacerdotes sedevacantistas que excluem o nome de João Paulo II no Canon da Missa. Em outras palavras, ele são sedevacantistas secretos, e isto é possível apenas pelo o meio do opinionismo.  

Outra distinção entre os sedevacantistas é aquela de absolutos e material-formalistas
Os absolutos dizem que João Paulo II não é nada de modo algum, ou seja, não possui jurisdição papal e não foi tampouco eleito validamente. Os material-formalistas dizem que não é papa porque carece de jurisdição, mas que foi eleito validamente ao Papado e que está em posição de fazer-se Papa.

Onde está a verdade?

Certamente, esta variedade de respostas ao problema do Vaticano II e João Paulo II deve ser desconcertante para o leigo comum, que somente deseja praticar sua Fé e praticar seu catolicismo. 
Não deveria este desconcerto levar o leigo, ou inclusive a certos sacerdotes, a um espírito de amargura, pela a falta de habilidade dos sacerdotes para entrarem em algum acordo. Nem deveria tal pessoa rir de uma situação por não ser capaz de entendê-la. Creio que todos os sacerdotes e leigos, em todas as categorias que descrevi acima, têm um desejo sincero de preservar a Fé, moral e disciplinas católicas. Todos eles amariam despertar-se de um mau sonho e encontrar-se na situação da qual o Vaticano II nunca ocorreu. Gostariam de ver desaparecer o Vaticano II. Neste sentido estão todos unidos. Acham-se divididos em matérias que pedem uma explicação teológica a respeito do que estão fazendo. Enfrentando com a necessidade de resistir ao Vaticano II e suas mudanças, deveria oferecer-se uma explicação coerente de acordo ao dogma e à teologia católica, do motivo de ser uma boa ideia ao fato de estar resistindo. Claro está, que existe uma diferença essencial entre às três categorias gerais de resistência:

1. O indultista,
2. O lefebvrista e
3. O sedevacantista.

Nota do editor: Segundo o autor desta explicação da tese, o sedeprivacionismo está contido no sedevacantismo. É lícito dizer, entretanto, que há longas discussões enquanto a essa terminologia. 

Resistir ao Vaticano II meramente por preferência, tanto para os lefebvristas (ao menos neste ponto) como para os sedevacantistas, é algo muito débil. Os lefebvristas diferem dos sedevacantistas do seguinte modo: afirmam que não temos direito de julgar o Papa, ao qual os sedevacantistas respondem que considerar sua nova missa, seus ensinamentos,e sua disciplina universais como falsas e malignas -como fazem os lefebvristas- leva logicamente ao não papado de Wojtyla. Este artigo, entretanto, não concerne às diferenças entre indultistas, lefebvristas e sedevacantistas. Tenho analizado estas diferenças cuidadosamente em outros lugares. O presente tem por objetivo as existentes entre os sedevacantistas. 

Que fique estabelecido antes de qualqer coisa que há uma unidade substancial de posição entre os sedevacantistas: João Paulo II não é papa e seu nome não deve ser mencionado no Canon da Missa.
Neste ponto estão todos de acordo, e é essencial, pois remove da Igreja a mancha de apostasia de Cristo, que seria o caso se Wojtyla fosse um verdadeiro Papa. 
As diferenças entre os sedevacantistas se fundam na explicação de como e por qual motivo João Paulo II não é papa. Tais diferenças não fazem ao dogma católico, senão à explicações teológicas de coisas que pertencem ao Dogma Católico.
Esta classe de diferenças -as explicações teológicas de dogmas- sempre existiram na Igreja. A mais notável é a que existe entre dominicanos e jesuítas sobre a obra da Graça na alma. Há muitas outras. Ainda que cada um sustém que sua posição é verdadeira e a outra falsa, também cada qual afirma que não existe heresia em afirmar tal ou qual explicação teológica. Assim, ainda que dominicanos e jesuítas estão em veemente desacordo a respeito de certos pontos teológicos, nada os impede trabalharem juntos e viver em paz como membros do Corpo Místico.

Neste artigo, darei ao leitor a apresentação mais simples possível da tese de Mons. Guérard Des Lauriers a respeito do Papado depois do Vaticano II. Entendê-la exige certo esforço intelectual. Uma das objeções contra a tese é que é muito difícil de entender, inverossímil, e demasiado teológica. Porém, tal queixa não é legítima, dado que o mesmo pode ser dito de quase qualquer explicação teológica de cada um dos dogmas. O dogma da Santíssima Trindade, por exemplo, é simples: há três Pessoas em um só Deus. Mas a explicação teológica de como encontramos três Pessoas em um só Deus, é extremamente complicada e difícil. Isto se deve a que a teologia está obrigada a respeitar duas coisas que aparentemente são contraditórias: a unidade da essência divina e a trindade de Pessoas. 
Se um leigo fosse ler uma explicação da Trindade tal como aparece nos livros de estudos dos seminários, depois de uns parágrafos não faria mais que fechar o livro. Aqui é igual. O leigo não deveria dizer: "não entendo, logo não pode ser verdadeiro". Há muitas coisas difíceis de entender na teologia que são, no entanto, absolutamente verdadeiras.
A "Tese de Cassiciacum" de Mons. Guérard Des Lauriers -como se a chama- é uma explicação que respeita as duas exigências do dogma católico:

1. Aquele que promulga uma doutrina falsa, um culto falso e disciplinas perversas, não pode ser o Romano Pontífice;
2. Deve haver uma linha interrupta de sucessores legítimos de São Pedro, desde São Pedro mesmo até a Segunda Vinda de Cristo.


Como encontrar a verdade?

Como disse acima, a tese é somente uma explicação do dogma católico. Logo, para determinar se é ou não verdadeira, deve-se primeiro conhecer e entender os dogmas católicos concernentes a Igreja e ao Papado, o qual deve ser respeitado em qualquer explicação da situação da autoridade papal depois do Vaticano II.
Irei expor (primeiramente) algumas verdades teologicamente corretas, ou seja, conclusões teológicas admitidas por todos, assim como também (em segundo lugar) outras verdades extraídas da filosofia e do sentido comum. Havendo realizado isto apresentarei, (finalmente) uma explicação da tese. Terminarei (o artigo) respondendo a algumas questões.

As exigências do dogma católico

I. A Igreja Católica é infalível. 

Pela assistência de Cristo, a Igreja é infalível na preservação e exposição do depósito revelado. Esta qualidade da Igreja está expressada nas palavras de Cristo: 
"E Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela"1,
e nas palavras de São Paulo, quem chama a Igreja 
"coluna e fundamento da verdade"2.
Entretanto, nenhuma destas coisas seria verdadeira se a Igreja pudesse errar em seu ensinamento oficial. Logo, a Igreja é infalível. Ainda mais, se a Igreja ensinasse erro em matéria de Fé e moral, mais que uma sociedade que leva almas ao Céu, seria uma sociedade que as envia ao inferno. 

II. A Igreja Católica é indefectível.

Esta qualidade da Igreja significa que Ela durará até o fim dos tempos sem variação essencial alguma de seus elementos constitutivos; a saber, unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade. Esta doutrina tem por base o mesmo raciocínio e os mesmos textos que a doutrina da infalibilidade da Igreja. A isto acrescentamos:
"Estejam seguros que Eu estarei sempre convosco, até a consumação dos séculos"e a promessa de Nosso Senhor aos Apóstolos segundo a qual o Espírito Santo permaneceria com eles para sempre 4.

O Concílio Vaticano de 1870, declarou: 

"Agora bem, o que Cristo Nosso Senhor, Príncipe dos Pastores e grande Pastor das ovelhas, instituiu no Bem-aventurado Apóstolo Pedro para perpétua saúde e bem perene da Igreja, preciso é que dure perpetuamente por obra do mesmo Senhor na Igreja que, fundada sobre a pedra, tem que permanecer firme até a consumação dos séculos 5".

III. É impossível que o Romano Pontífice ensine oficialmente doutrinas contrárias à Fé e moral católicas, aprove ou sequer permita uma falsa liturgia ou disciplinas perversas para toda a Igreja.
Esta doutrina é simplesmente uma conclusão das duas doutrinas precedentes, posto que o Romano Pontífice, Vigário de Cristo, é que goza da assistência de Cristo, pela qual a Igreja não pode errar ou defeccionar. 
O Papa Gregório XVI declarou: 

"É possível que a Igreja, que é coluna e fundamento da verdade e que está continuamente recebendo o ensinamento do Espírito Santo de toda verdade, possa ordenar, assentir, ou permitir algo que se torne em detrimento da salvação das almas, em desprezo e dano de um Sacramento instituído por Cristo?" 6.

IV. É impossível que a pessoa que ensina oficialmente doutrinas contrárias à Fé e moral católicas, que aprove ou sequer permite uma falsa liturgia ou disciplinas perversas para toda a Igreja, possa ser o Romano Pontífice.
Isso é simplesmente um corolário de III. 

V. Por direito divino, deve haver uma linha perpétua de Sucessores de São Pedro.
Esta doutrina foi definida pelo o Concílio Vaticano (1870):
"Se alguém pois, disser que não é por instituição do mesmo Cristo,ou seja, de direito divino, que o Bem-aventurado Pedro tem perpétuos sucessores no Primado da Igreja universal; ou que o Romano Pontífice não é Sucessor do Bem-aventurado Pedro no mesmo Primado, seja anátema" 7. 

Isso também se prova claramente pela natureza mesma da Igreja, pois a autoridade divina foi dada por Cristo à São Pedro. Assim, alguém atribuir-se a autoridade suprema da Igreja Católica, somente se é legítimo Sucessor de São Pedro.


Verdades teologicamente corretas


I. É impossível que um herege público seja o Romano Pontífice. 

Isso é verdade porque a heresia pública destrói automaticamente o efeito do batismo pelo qual somos incorporados como membros da Igreja. Mas quem não é membro da Igreja não pode ser sua Cabeça.  Este princípio é de sentido comum, admitido por 99% dos teólogos católicos e confirmado pelo o documento Cum ex apostolatus do Papa Paulo IV. 

II. Existe algo conhecido como sucessão material.

A sucessão material consiste em continuar recebendo um cargo de poder sem receber o poder. Esse termo é universalmente usado pelos teólogos católicos para descrever a pretensão  de sucessão apostólica dos cismáticos gregos, pelo fato de ter nomeado bispos perpetuamente para suceder nos episcopados estabelecidos pelos Apóstolos (v.g. Alexandria, no Egito). Os teólogos católicos respondem que sua sucessão é meramente material, ou seja, que eles ocupam o lugar, mas não tem jurisdição alguma para guiar os fiéis. Não pode ter jurisdição, pois esta deriva do Romano Pontífice, a quem rejeitam. Os teólogos opõem sucessão material a sucessão formal, que significa ocupar o posto de autoridade e ter juridição ao mesmo tempo. Os gregos cismáticos não têm designação legal nem legítima para sustentar o posto de autoridade, pois sua designação vem daqueles que foram excluídos legalmente da Igreja Católica. 

III. Os "papas" do Novus Ordo tem sucessão material.

Não penso que haja alguém que negue que os "papas" do Novus Ordo estão pelo menos na mesma posição que os bispos cismáticos gregos em sedes apostólicas. O quid da questão está em saber se o nomeamento de pessoas pertencentes ao Novus Ordo em postos de autoridade é ou não algo legítimo. Os sedevacantistas absolutos diriam que essas pessoas não estão em melhores condições que os cismáticos gregos, isso é, que sua sucessão é somente material, sem designação legítima. Por outra parte, os material-formalistas dizem que tais pessoas têm a sucessão material, mas com uma designação legal e legítima. Ambas partes coincidem ao afirmar que tais "papas" não possuem jurisdição, isso é, são falsos papas.


Verdades extraídas da filosofia e do sentido comum


I. As coisas naturais estão compostas de matéria e forma. 

A matéria de algo é aquilo do que está feito. Uma estátua, por exemplo, está feita de mármore.
O mármore é a matéria da estátua. A forma é o que faz a uma coisa ser o que é. Assim, o parecido ou semelhante de uma estátua a Nossa Senhora é a forma de uma estátua de Nossa Senhora.
O artista deve esculpir a semelhança ou retrato no mármore. Quando a matéria e a forma se juntam, obtemos a estátua de Nossa Senhora. A argila é a matéria do pote. Quando o artesão dá ao barro sua figura, lhe está dando a forma. Do mesmo modo, a alma é a forma do corpo.


II. Na autoridade existe matéria e forma.

A matéria da autoridade é a pessoa legal e legitimamente eleita para receber a autoridade. A forma da autoridade é o poder, a jurisdição para governar. Assim, a primeira terça-feira do mês de novembro, o novo presidente dos Estados Unidos é legal e legitimamente eleito, mas não tem o poder, não é presidente. No dia 20 de janeiro começa a sê-lo, pois nesse dia recebe o poder. Desde novembro a janeiro é presidente materialmente, pois foi oficialmente designado. Em janeiro, é presidente formalmente.
Toda autoridade, inclusive a civil, vem de Deus. A designação para ser presidente, rei ou governante (ou no caso da Igreja, papa), vem dos homens. Quando a pessoa designada (por exemplo: o presidente eleito) e o poder se juntam, se tem um governante. 

III. Entre o poder de designar e o poder de governar tem uma diferença essencial. 

designação a governante vem de uma fonte diferente do poder pelo o qual alguém é de fato governante. A primeira, vem dos homens; a segunda, de Deus. Por consequência, ambos poderes podem existir separadamente, ou seja, alguém pode ter o poder de designar sem ter o poder de governar. Por exemplo: quem vota tem o poder de designar, mas não tem o poder de governar. O objeto ou propósito do poder de governar é ordenar a sociedade a seu próprio bem, a seus próprios fins, e isso por meio das leis. Assim, não pode fazer uma lei alguém meramente designado a um ofício. O presidente eleito não é presidente, e carece absolutamente de poder.
Ele nomeia membros para o gabinete, quem no entanto, obterão o poder quando ele chegue ao poder. À pessoa que foi designada devemos tão somente reconhecimento; a quem é de fato governante lhe devemos obediência. Por exemplo, no cisma do Ocidente , os cardeais de Avignon, deixaram de reconhecer ao Romano Pontífice como quem possuía uma verdadeira designação. Equivocaram-se, pois deveriam reconhecer sua designação papal.

IV. Pode haver uma diferença entre o que é de fato verdadeiro e o que é legalmente verdadeiro.

Alguém pode ser um assassino de fato, se matou a uma pessoa inocente; mas não é assassino diante da lei, senão até ser condenado. Se em juízo é achado inocente permanece diante da lei como inocente, inclusive ainda que de fato seja assassino. O oposto também pode suceder. Um homem inocente pode ser acusado de assassinato e condenado.
Diante da lei é assassino; de fato, não o é. Um homem que em segredo se abstém de pôr a intenção ao casar-se com sua esposa, mas faz-se a cerimônia externa, não contrai de fato verdadeiro matrimônio. Mas perante a lei, dado que o defeito não é conhecido nem reconhecido pelas autoridades, estão casados. Eles gozam dos direitos e obrigações legais do matrimônio, mas não dos benefícios espirituais. As leis de taxação, de propriedade, etc... os considerariam como casados; mas perante os olhos de Deus não podem comportar-se moralmente como marido e mulher. Pelo o que já foi dito, vemos que é possível que alguém possa gozar de um status legal que não reflita a realidade do que é. Geralmente, a lei é lenta para reconhecer a realidade. Por exemplo: Nestório foi herege público em 428, mas não foi declarado como tal legalmente nem deposto de sua sede, senão até o ano 431.
Lutero foi herege público em 1517, mas não foi legalmente excomungado senão até 1521. Em ambos os casos, esses hereges deixaram de fato de serem católicos quando publicaram suas heresias, mas continuaram sendo católicos legalmente até sua separação legal da Igreja por parte das autoridades eclesiásticas.
A razão desta dupla, e às vezes conflitiva pauta, é que a sociedade -qualquer sociedade, inclusive a Igreja- não é uma multidão sem controle. A sociedade é uma pessoa moral, e do mesmo modo que uma pessoa, tem sentidos, intelecto, vontade que lhe são próprios e pode andar ficando para trás com respeito à realidade. Inclusive, de vez em quando, pode errar sua avaliação da realidade. E assim, o inocente pode às vezes ser condenado como culpado, e o culpado ser tido por inocente.
Entretanto na realidade, perante Deus, cada um continua sendo o que realmente é, inocente ou culpado. 


Breve explicação da Tese

A tese, como já disse, é uma explicação teológica da situação da autoridade depois do Concílio Vaticano II.

Tenta apresentar um sistema que faz duas coisas:

1. Mostrar o motivo dos "papas" do Vaticano II não terem autoridade,e são, portanto, papas falsos e;

2. Mostrar como a linha interrupta de papas desde São Pedro continua.

Ambas coisas, como já dissemos, são exigências do Dogma Católico.
Os "papas" do Vaticano não são papas realmente, pois colocam um obstáculo à recepção da autoridade de Cristo. Assim como alguém pode pôr um obstáculo à recepção da Graça em um sacramento (por exemplo, apego ao pecado mortal no caso da Confirmação), do mesmo modo, alguém pode apresentar um obstáculo ao influxo de Cristo. Isso é verdade, inclusive se a pessoa cumpriu com todos os passos legais necessários para obter a autoridade. Da mesma maneira, alguém que põe um obstáculo à Graça do Sacramento da Confirmação, recebe de todos os modos, exteriormente o Sacramento. Se o papa eleito removesse o obstáculo ao fluxo da autoridade, se faria papa; assim como aquele que confessasse seus pecados verdadeiramente contrito, logo receberia o efeito do Sacramento da Confirmação. Qual é esse obstáculo da autoridade? É a intenção de promulgar para toda a Igreja falsas doutrinas, liturgia falsa e disciplinas perversas, todo o qual constitui uma mudança essencial da Fé Católica. 

O dever primeiro do governante é garantir o bem, o fim próprio da sociedade. Assim, um presidente deve jurar defender a constituição antes de receber a autoridade. Se não jurasse, não receberia a autoridade, mas permaneceria como presidente eleito até o momento em que esta designação lhe seja removida legalmente.
Da mesma maneira, alguém que é designado legalmente para ser papa, mas que tenta fazer um mal essencial a Igreja, não pode receber a autoridade de Cristo para governar; e assim, permanece papa eleito até o momento em que esta designação lhe seja removida legalmente.
Quem remove a designação? Aqueles que a deram, os eleitores legalmente constituídos -e somente eles- têm o poder de removê-la.

A Tese também sustenta que os "papas" do Vaticano II se sucedem ao papado como legalmente designados, e portanto, continuam a linha de São Pedro materialmente. Isso significa que os "papas" do Vaticano II foram designados legitimamente para o cargo, porém carecem de jurisdição, por causa do obstáculo que opõe à recepção da autoridade. Isso é desse modo porque a lei nunca suprimiu completamente a religião do Novus Ordo da Igreja Católica. 
Deve suprimir-se, mas não foi; assim como um assassino deve ser julgado e condenado, mas pode não sê-lo. Por conseguinte, ainda que os membros da hierarquia do Novus Ordo são de fato hereges públicos e estão fora da Igreja, não obstante, devido à ausência de ação legal, retêm suas designações legais e seus cargos puramente legais. Eles não são a autoridade, não são verdadeiros papas ou bispos, mas estão legalmente em posição de tornar-se papas e bispos verdadeiros, se removessem o obstáculo à autoridade.

Imaginem uma fábrica de cerâmica na qual há uma grande quantidade de argila, mas não de vasos. A argila pode tornar-se vaso, mas lhe está faltando a forma pela qual pode tornar-se verdadeiramente vaso. Assim Wojtyla e sua hierarquia são uma grande quantidade de argila , ou seja, a matéria da hierarquia, mas sem forma, ou seja, a autoridade pela qual seriam a verdadeira hierarquia da Igreja Católica. 
Pensem em um cadáver, parece até certo ponto uma pessoa viva, poderia ser ressuscitado pelo o poder de Deus, mas permanece morto. A hierarquia do Novus Ordo poderia ser comparada ao cadáver da verdadeira hierarquia católica. Assim, a Tese vê ao Novus Ordo em uma posição diferente à dos cismáticos gregos e luteranos. Estes foram legalmente separados pela a Igreja, e são verdadeiramente seitas no sentido estrito do termo, pois estão isolados da Igreja (já de fato por seu cisma e heresia, já por separação legal).
Por outra parte, o Novus Ordo é de fato não católico, é uma seita por sua apostasia, mas não foi separado legalmente da Igreja Católica.
Em efeito, este triste fato: que o Novus Ordo não haja sido separado, é o coração mesmo do problema que hoje enfrentamos.
Se fosse claro, por declaração legal, que o Vaticano II constituiu defecção da fé, cessaria o problema na Igreja. É somente devido ao fato de que os hereges têm a máscara da legalidade, que tantos católicos estão sendo levados ao mau caminho. Inclusive mais, são os católicos quem estão sendo marginalizados legalmente.

[Dito isso] começarei com as perguntas e respostas nas quais serão tratadas algumas objeções.


Perguntas e respostas

P. Segundo a tese, Wojtila não é papa?
R. Não é papa.

P. Se não é papa, o que é ele então?
R. É um papa eleito.

P. Como podem os cardeais, sendo eles mesmos hereges, terem o poder de eleger um legítimo papa eleito?
R. Há duas teorias para responder a esta pergunta.



Uma que eles recebem o poder de fazer isso extraordinariamente, pois a Igreja está em uma absoluta necessidade disso. Do mesmo modo o sacerdote que foi excomungado e que abandona o sacerdócio, inclusive um cismático grego, recebe a jurisdição para administrar o Sacramento da Penitência ao fiel em perigo de morte. Por quê? Porque o fiel o necessita. O mesmo sucede no processo da eleição papal. Por quê? Porque se o poder da legítima eleição não estivesse aí, a linha papal se extinguiria. A Igreja necessita absolutamente de eleição e eleitores legítimos. 


A outra teoria afirma que, dado que o poder de designar vem da Igreja e não de Deus -ninguém está divinamente ungido para eleger um papa-, o poder de designar permanece válido ainda quando o poder de governar (jurisdição) esteja ausente. Permanece válido, já que pertence à ordem puramente legal e ninguém o removeu deles legalmente.


P. Mas, como os cardeais hereges podem ter jurisdição para eleger um papa, quando também eles defeccionaram culpavelmente a fé?
R. Tais cardeais não possuem jurisdição. O direito a votar (poder de designação) não é o poder de governar (jurisdição). Ainda mais, a defecção da Fé por parte dos cardeais é um obstáculo à jurisdição, mas não à eleição de um papa.


P. Por que a defecção da fé não apresenta um obstáculo ao poder para eleger um papa?
R. Porque a heresia pública não tem efeito legal até que seja declarada e reconhecida pela a autoridade legal. O direito legal que essas pessoas têm para eleger papa permanecerá até ser legalmente removido. A heresia não é um obstáculo ao poder de designação, o é ao poder de jurisdição. Pois por heresia se está de fato separado da Igreja e se torna, consequentemente, radicalmente incapaz de governar a Igreja. Mas, dado que os cardeais não sejam hereges na ordem legal, ou seja, não foram declarados hereges legalmente, permanecem capazes de realizarem ações pertencentes à ordem puramente legal, como a de eleger um candidato para ser papa.

P. Não é verdade que os hereges públicos estão excomungados automaticamente?
R. Sim, o estão. Mas uma excomunhão automática tem efeito legal somente se
1. a pessoa culpada admite sua própria falta ou;
2. seu superior legítimo lhe exige que observe a excomunhão.
Se falta algumas destas condições, a excomunhão é nula (sem efeito legal). Mas ambas coisas estão ausentes ao que se refere aos cardeais, os eleitores do Papa. Logo, a excomunhão carece de efeito.
Ainda mais, o Papa Pio XII declarou que toda censura (por exemplo, a excomunhão) se levanta quando os cardeais entram no conclave.

P. De todos os modos, se Wojtila não é papa, como podemos ter cardeais reais? Por acaso não seriam falsos cardeais?
R. Quiçá sejam falsos cardeais, mas não são falsos eleitores. Wojtila tem a autoridade para nomear eleitores ao papado pela a mesma razão que os cardeais têm o poder de eleger.
Tudo isso pertence à ordem de designação, e não à ordem de jurisdição. Mas o que faz a um papa ser papa é o poder de jurisdição (poder para governar), e não o poder de designação. A tese afirma que o Novus Ordo retém o poder de designar pessoas para receber o poder de jurisdição na Igreja. É uma realidade triste, mas é a realidade.

P. Por que é tão importante a linhagem de São Pedro?
R. Porque sem isso não há nem sucessão apostólica, nem título de autoridade. A Igreja deve ser Apostólica, ou seja, deve ser capaz de colocar a seus bispos, e em especial ao de Roma, em uma linha não cortada de sucessão legítima, até chegar aos Apóstolos. Se não pode-se alcançar isso, não tem título para governar aos fiéis, dado que essa autoridade foi conferida à São Pedro e  aos Apóstolos por Cristo. Sem essa linhagem, a Igreja seria substancialmente alterada; a palavra apostólica teria que ser removida do Credo.

P. Por que não estamos meramente em um prolongado intervalo, como em uma vacância da Sé entre dois papas?
R. Porque em tal intervalo não há ninguém designado ao papado. Mas em um intervalo normal, os eleitores legítimos permanecem, os quais têm o poder de obrigar a Igreja a reconhecer a pessoa que eles designaram. No sistema dos sedevacantistas absolutos, que não reconhece nenhum eleitor legal, não existe nenhum modo de designar um sucessor de São Pedro.


P. Tem algum precedente essa atual situação da Igreja?

R. Encontramos um precedente em Nestório, patriarca herege de Constantinopla. Nestório foi herege público em 428, mas não foi condenado oficialmente até o ano 431. Mas já em 428 o clero de Constantinopla rompeu a comunhão com Nestório, e disse: "temos imperador mas não bispo".
Nestório permaneceu legalmente designado ao patriarcado de Constantinopla, ainda perdeu a jurisdição devido a sua heresia pública. Não há precedentes no Papado, pois, nunca um papa promulgou o erro, uma falsa liturgia, ou disciplinas perversas para toda a Igreja.


P. Por acaso Cum ex apostolatus é uma constituição apostólica, uma lei feita pelo o Papa Paulo IV, a qual diz que se um papa fosse herege, sua elevação a esta dignidade seria nula. Esta lei teve por objetivo evitar que alguma vez um protestante acendesse ao papado. Por duas razões não se aplica ao presente caso:
A primeira, é que já não é mais lei, foi ab-rogada (feita sem efeito jurídico) pelo o Código de Direito Canônico do ano 1917.
A segunda razão e mais importante, é que, inclusive por alguma razão a lei tivesse efeito, esta poderia aplicar-se somente se Wojtyla fosse reconhecido legalmente como herege público. Porém, como já vimos, não existe nenhuma condenação legal de Wojtyla. Ante a lei da Igreja não tem o status de herege, porque:
1. não se considera a si mesmo culpado de heresia, e
2. nenhum superior legítimo o considera culpado de heresia.



Cum ex apostolatus expressa certamente a mente da Igreja com repeito a hereges que possuem um ofício; Apresenta um excelente argumento teológico, ainda que não seja um argumento legal. Dá-nos uma razão muito forte para provar que de fato Wojtyla não é papa, mas na ordem da legalidade nada resolve.


P. Não sucede que no mesmo momento em que o cardeal é eleito, passa imediatamente a ser Papa? Se isso é assim, como pode ser um papa eleito, alguém designado sem autoridade?
R. É verdade que o cardeal eleito no conclave se torna Papa imediatamente depois de sua aceitação, com tal que, obviamente, não ponha um obstáculo a tal poder. O papa Pio XII aludiu a esta possibilidade dizendo:
"Se um leigo fosse eleito Papa, não poderia aceitar a eleição a menos que fosse apto para receber a ordenação e estivesse disposto a ser ordenado".
(Discurso dirigido ao segundo congresso mundial para o apostolado leigo, 5 de outubro de 1957).

P. A tese, concede demasiado à Wojtyla e ao Novus Ordo, é suave e comprometedora respeito a eles.
R. Os argumentos teológicos não são verdadeiros porque se apresentam como a coisa mais dura a dizer. Os argumentos teológicos são verdadeiros porque se conformam à realidade. Muitos católicos tradicionalistas estão desapontados com Wojtyla, e bem fazem, e não estão de acordo com nenhum sistema que lhe conceda algo. Inclusive o mesmo Mons. Guérard Des Lauriers dizia que seus lábios ardiam ao dizer isso sobre Wojtyla, mas é obrigado a fazê-lo devido às exigências do Dogma Católico e da natureza mesma da situação.
Mas, na verdade, dentro da variedade de sedevacantistas, quem tomam a linha mais dura contra Wojtila e o Novus Ordo são os adeptos à tese. Por exemplo, todos os material-formalistas que conheço dizem que é gravemente pecaminoso, objetivamente, assistir à uma Missa Una Cum (aquela na que o nome de Wojtyla é citado no Cânon).
No lado oposto, quase todos os sedevacantistas absolutos que conheço dizem que não está mal escutar tal Missa. Os que aderem à tese afirmam que a questão do [falso] papado de João Paulo II não é opinável, enquanto que muitos dos absolutos, talvez a maioria, sustém que é matéria de opinião. Mons. Guérard Des Lauriers foi, muito provavelmente, o primeiro sedevacantista.

P. Se um herege não pode ser papa, como o senhor diz, como então Wojtyla pode ser papa mesmo materialmente?
R. Porque o aspecto material do papado procede da autoridade eclesiástica, enquanto que o aspecto formal -aquilo que faz alguém ser papa- procede diretamente de Cristo. A pública adesão à heresia ou à apostasia, é um obstáculo ao fluxo da autoridade para governar que vem diretamente de Cristo. Mas a heresia pública não é um obstáculo à designação, a menos que seja declarada; ou seja, reconhecida pela a lei eclesiástica.
Por exemplo, um criminal não pode possuir um ofício público nos Estados Unidos. Mas para que a eleição seja inválida, é necessário que seja criminal aos olhos da lei. Assim, se alguém mata a sua esposa, mas não é condenado como criminal por um tribunal, poderia ser legalmente eleito para um posto público, já que não é culpável diante da lei. Da mesma maneira, Wojtyla não é culpado de heresia ou apostasia diante da lei, não há censura alguma sobre ele, portanto, é capaz de receber validamente a eleição legal para o papado. Assim, não é papa formalmente -ou seja, na realidade-, mas é papa materialmente, ou seja, goza de eleição válida.

P. Por que a solução dos sedevacantistas absolutos não é viável?
R. Porque priva a Igreja dos meios de eleger um legítimo sucessor de São Pedro. Destrói finalmente, sua apostolicidade. Os sedevacantistas absolutos tentam solucionar o problema da linha sucessória de dois modos:

A primeira solução é o conclavismo. Eles argumentam que a Igreja é uma sociedade que tem um direito inerente de eleger aos que a guiam. Portanto, o resto que permaneceu fiel poderia reunir-se e eleger um papa. Ainda se esta tarefa pudesse ser cumprida alguma vez, apresenta muitos problemas.



Primeiro: quem seria designado legalmente para votar? Como seriam designados legalmente para votar?

Segundo: Que princípio obrigaria aos católicos reconhecer ao beneficiado de tal eleição como legítimo sucessor de São Pedro? O conclavismo é simplesmente um nome elegante para o governo de uma multidão, onde os que gritam mais forte dirigem ao resto.
A Igreja Católica não é uma desordem, senão que é uma sociedade divinamente constituída com regras e legalidade.
Terceiro: e o mais importante, não pode-se fazer o salto do direito natural dos homens de eleger para si mesmos chefes de governo, ao direito de votar para eleger um papa. A Igreja não é uma Instituição natural como a sociedade civil. Não há direito inerente nos membros da Igreja de eleger ao Romano Pontífice. A eleição do Romano Pontífice foi originalmente feita por Cristo mesmo em São Pedro, e o modo de eleição a partir de então foi regulado por lei.

A segunda solução proposta pelos sedevacantistas absolutos consiste em que Cristo mesmo escolherá um Sucessor por uma intervenção milagrosa. Se Nosso Senhor fizesse tal coisa, e certamente poderia, o homem que elegesse para Papa seria sem dúvidas Seu Vigário sobre a terra, porém não seria Sucessor de São Pedro. A Apostolicidade se perderia, porque tal homem não poderia remontar sua linha sucessória até São Pedro por uma linha interrupta de sucessão legítima. Mais bem, como São Pedro, seria eleito por Cristo. Consequentemente, Nosso Senhor estaria iniciando uma nova Igreja.

P. Mas não seria Nosso Senhor um eleitor legítimo? Por que não poderia eleger um Papa que fosse ao mesmo tempo Sucessor de São Pedro?
R. Sim, obviamente, Nosso Senhor poderia eleger um Papa, assim como elegeu a São Pedro. Mas uma intervenção divina, do tipo que os sedevacantistas absolutos imaginam, seria equivalente a uma nova revelação pública, o qual é impossível. Toda revelação pública se terminou com a morte do último Apóstolo, isso é um artigo de Fé. Qualquer revelação que tenha lugar desde a morte do último Apóstolo está na categoria de revelação privada. Assim, no sistema dos absolutos, uma revelação privada daria a conhecer a identidade do Papa. É desnecessário dizer que tal solução destrói a visibilidade da Igreja Católica, assim como também sua legalidade, e faz depender de videntes sua existência mesma.
Também é bom dizer que isso deixa exposto o papado ao mundo lunático dos aparicionistas. 
O objetivo mesmo da Igreja é propor a revelação divina ao mundo. Se o nomeamento de um Papa, quem é pessoa mesma que propõe a Revelação, procedesse de uma revelação privada, todo o sistema colapsaria. Logo, um vidente seria a mais alta autoridade na Igreja, quem poderia fazer ou desfazer Papas. E não haveria modo autoritativo algum para determinar se o vidente é uma farsa ou não. Em última instância, o ato de Fé de cada um viria a depender da veracidade de algum vidente. Pelo contrário, a Igreja católica é uma sociedade visível e tem uma vida legal.
Nosso Senhor é a cabeça invisível da Igreja. A Igreja já não poderia reclamar para si a visibilidade, se a seleção de sua hierarquia fosse feita por uma pessoa invisível, inclusive por Nosso Senhor mesmo.
Porém se por um momento admitimos essa possibilidade, segue sendo certeza que nós devemos seguir afirmando que o eleito de Nosso Senhor não seria Sucessor de São Pedro. A sucessão legítima  ocorre segundo os ditados da lei eclesiástica ou do costume estabelecido. Porém uma sucessão através de uma intervenção divina não ocorre como as duas primeiras. Logo, o eleito não seria Sucessor legítimo de São Pedro.


P. Que solução oferece a tese ao problema da Igreja?

R. Há muitas soluções possíveis, por exemplo as seguintes:

1. Wojtila se converte à Fé Católica, repudia ao Vaticano II e suas reformas, recebe a jurisdição para governar e se torna Papa.

2. Alguns cardeais (inclusive um seria suficiente), se converte, repudia ao Vaticano II, publicamente declara a Sé Vacante e chama a um novo Conclave.
Este ato removeria de Wojtyla o título de uma eleição válida. Inclusive é provável que #2 se aplique aos bispos diocesanos do Novus Ordo, quem passariam a ter a jurisdição verdadeira se repudiassem ao Vaticano II. Também é verdade, segundo a tese, que estas possibilidades possam durar indefinidamente, ainda mais além da morte de Wojtyla. 


P. O sacerdócio e o episcopado no Novus Ordo são provavelmente inválidos. Sendo isso assim, como eles poderiam ser ou tornar-se algo?

R. Inclusive um leigo pode ser nomeado para um posto eclesiástico de autoridade. Santo Ambrósio era não somente leigo, se não que nem sequer era católico, quando foi eleito para ser bispo de Milão.
A clave está em que, para obter a jurisdição, um bispo ou um cardeal do Novus Ordo teria que dar seu consentimento a ser validamente sagrado. Deus, em Sua Providência infinita, há preservado ordens válidas durante esta crise na Igreja.

P. A tese não causa uma divisão entre os sedevacantistas?
R. Não. Esta discussão os sedevacantistas vêm tendo desde a década de 70. Absolutos e material-formalistas divergem respeitosamente neste ponto, mas nunca isso tem sido causa de divisão. Eles trabalham em comum e têm contatos amistosos uns com os outros.

P. Quantos sacerdotes sedevacantistas são adeptos à tese?
R. Uma minoria, mas não pequena. Não obstante, acrescento que na prática, todos os sacerdotes sedevacantistas aderem à tese. Digo isso porque eles não consideram as pessoas do Novus ordo como não católicos legalmente. Quando estas pessoas retornam à Fé tradicional necessitam simplesmente dizer ao sacerdote, em todos os casos que conheço, que desejam ser membros de sua capela (centro de missa). Não fazem nenhuma abjuração, seja pública ou privada, e nenhuma excomunhão é levantada. Por outro lado, se um luterano aproximar-se a um sacerdote tradicional, este lhe pediria com justa causa que faça uma abjuração pública, na qual será levantada a excomunhão.
Ademais, se os luteranos se aproximassem para comungar, o sacerdote lhe negaria a Sagrada Comunhão, inclusive sem prévia advertência. Mas não conheço nenhum sacerdote que negue a sagrada Comunhão, sem prévia advertência, a alguém do Novus Ordo que vem por primeira vez à Missa Tradicional. Por que esta diferença? Porque os do Novus Ordo não foram legalmente separados da Igreja Católica.
Se a teoria dos sedevacantistas absolutos sobre Wojtyla fosse certa, que devido a sua heresia pública não possuísse um status legal na Igreja Católica, seria necessário aplicar as mesmas regras a todo aquele que pertencesse ao Novus Ordo. Deveriam ser reconciliados do mesmo modo que os protestantes. Não conheço nenhum sacerdote, inclusive entre os mais fiéis dos absolutos, que faça isso. Pelo contrário, passar do Novus Ordo a ser católico é fácil, pois não existe impedimento legal algum. O efeito de seu batismo, pelo o qual se uniram legalmente a Igreja Católica como a uma sociedade, nunca foi destruído. É necessário somente abandonar ao Vaticano II, a Wojtyla (e muitos sedevacantistas absolutos nem isso requerem) e voltar aos Scramentos verdadeiros. Na prática, todos os sacerdotes tradicionalistas aderem à "tese materialiter".

Resumo:

A tese afirma que, devido a que os membros do Novus Ordo ocuparam os cargos de autoridade por meios legais, os possuem legítima e legalmente, porém não têm o poder que ordinariamente vai adjunto. Carecem deste poder, pois pretendem impor sobre a Igreja doutrinas e cultos falsos, ademais de disciplinas perversas, os quais são contrários aos fins e objetivos essenciais da Igreja. Posto que o poder de designação ao ofício pertence puramente à parte material da autoridade, os que integram o Novus Ordo possuem o poder de designar legítimamente aos postos de poder, até que lhes seja removido legalmente. 

Como consequência disso, está estabelecida uma hierarquia material, ou seja, alguém legalmente nomeado para papa; outros legalmente nomeados para bispos; outros legalmente nomeados para eleitores do papa. Mas nenhum desses tem jurisdição alguma e a nenhum devemos obediência, já que carecem de autoridade (a forma), o qual faz que sejam o que são; a saber, Wojtyla, um papa falso e os bispos, falsos bispos. Os cardeais são verdadeiros eleitores, na medida em que são nomeados para ser os que designam ao papa, mas sua função pertence à ordem material da autoridade; ou seja, somente à ordem de designação. 

Conclusão

A tese concede o real o que é real, e concede à legalidade o que é legalidade. O real é o formal, o legal é o material.
A chave para entender a tese é essa: a jurisdição vem diretamente da autoridade divina; a designação para receber a jurisdição vem da autoridade eclesiástica. O que vem diretamente de Deus é anulado pelas intenções contrárias de Wojtyla; o que vem da autoridade eclesiástica pode ser anulado somente pela a autoridade eclesiástica.
A designação vem dos eleitores devidamente autorizados, somente eles podem anular a designação. Assim Wojtyla na realidade não é papa. Entretanto, materialmente o é, enquanto que está em uma possessão de uma eleição legal.
Se não se respeita a distinção entre a ordem real e legal, o formal e o material, faz que a Igreja se torne uma multidão sem controle.
Ademais, a teoria dos sedevacantistas absolutos arruina a apostolicidade da Igreja. Não lembro de ter visto a nenhum dos sedevacantistas absolutos sequer tratar o problema da apostolicidade na presente crise. Eles geralmente respondem: "Sim, mas Deus cuidará disso".
Sim, mas "Deus cuidará disso" não é Teologia Sacra. A Igreja não respondeu às objeções contra a Trindade dizendo "de uma forma ou outra há três pessoas em um só Deus", senão que cuidadosamente , pelo os ensinamentos dos Santos Doutores e finalmente pelas declarações do Magistério, definiu certas verdades sobre a Trindade pelas que se respeitam tanto a unidade da essência divina, como a trindade das Pessoas. 
Portanto, se os sedevacantistas absolutos podem tratar com êxito o problema da continuidade da hierarquia fundada sobre São Pedro, nós, material-formalistas, os escutaremos.

Notas
1) Mt. XVI, 18.
2) I Tim. III,15.
3) Mt. XXVIII, 20.
4) Jo. XIV,16.
5) Dz. 1824.
6) Quo graviora, 4 de outubro de 1833.
7) Dz. 1825



Tomado de "Catholic Restoration" nª 6, Setembro-Outubro, ano 2003. 
Tradução para o Portugês: Semper Catholicam